Professores youtubers, edutubers atraem 5 milhões para aulas fora da escola

[Por Renata Cafardo, O Estado de São Paulo]

SÃO PAULO – Animações digitais fazem letras subirem e descerem da tela, enquanto o professor ensina o que são as palavras oxítonas. No fim, ele canta o “funk da acentuação”. A professora jovem fala da Primeira Guerra Mundial como se tivesse batendo um papo, mas com conteúdo na ponta da língua, em um cenário montado em um quarto de adolescente.

Professores youtubers – já chamados de edutubers – fazem sucesso aproveitando-se justamente do que os jovens sentem falta na educação formal: agilidade, linguagem fácil e próxima dos adolescentes, estratégias para entreter o aluno. Os canais com vídeo aulas chegam a ter 5 milhões de visualizações por mês. Nas redes sociais, os professores são tratados como estrelas e têm até fã-clube.

Só com a receita vinda dos vídeos, a chamada “monetização do YouTube”, que leva em conta visualizações e publicidade, os mais conhecidos ganham cerca de US$ 2 mil (R$ 8.400) por mês. O piso salarial do professor no Brasil é de R$ 2.455. O salário de um professor de ensino médio na maioria das escolas particulares de São Paulo é de menos de R$ 6 mil, segundo dados informados ao sindicato da categoria.

A popularidade dos vídeos faz com que eles vendam ainda cursos online, posts patrocinados nas redes sociais e sejam chamados para aulões pelo País por colégios e empresas ligadas a educação. O cachê pela participação é de cerca de R$ 8 mil.

Com o dinheiro e a popularidade nas redes, a estudante de história da UFMG Débora Aladim, de 21 anos, saiu da casa dos pais, alugou um apartamento e se sustenta. Foto: Washington Alves/Estadão

“A sala de aula ficou obsoleta, agora o aluno pode voltar, pausar, ouvir de novo a explicação que não entendeu”, acredita o curitibano Noslen Borges de Oliveira, de 40 anos, o professor Noslen.

Recentemente, ele se demitiu do último dos sete empregos que acumulava, dando aulas em escolas e cursinhos. Hoje, só na internet, já ganha mais.

“Na escola, o professor de Português é aquele que foi colocado lá e pronto. O aluno (na internet) gosta de mim porque me escolheu.”

O Canal de Noslen Borges de Oliveira, de 40 anos, o professor Nelson, teve 5,7 milhões de visualizações no mês que precedeu o Enem – FOTO: NILTON FUKUDA/ESTADÃO

Seu canal de Português e Literatura tem 2,4 milhões de inscritos, que é como se chama quem o acompanha com frequência e recebe notificações sempre que um vídeo novo é postado. São alunos de São Paulo, Rio e Nordeste do País, entre 17 e 24 anos, conta. Bem humorado, ele assoa o nariz no meio da explicação sobre orações subordinadas e não edita quando se confunde ao falar.

Nos últimos 30 dias, período final da preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), foram 5,7 milhões de visualizações no canal do professor Noslen.

“As pessoas me param nos shoppings, na rua, na praia, para me agradecer pelo conteúdo, tiram fotos. Isso é muito legal.”

Veja o vídeo do professor Nelson:

“É a valorização do professor, acostumado a ser tão desprestigiado no Brasil”, diz a pedagoga Joana Dourado, que pesquisa os “professores influenciadores” para uma tese de doutorado na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Estudos recentes mostram que atualmente só 2,4% dos jovens de 15 anos no País querem ser professores porque a carreira passa a impressão de pouca realização pessoal. Muitos veem a docência ligada a baixos salários, condições de trabalho ruim e desprestígio na sociedade.

Para Joana, por outro lado, a “sedução do aluno pelo espetáculo”, que ocorre no YouTube, tem resultados positivos e pode ajudar a abrir os olhos do professor tradicional para o mundo digital. Segundo dados do próprio YouTube Brasil, nove entre dez usuários usam a plataforma para estudar e buscar conteúdos de educação.

“Aula nem sempre é chata como se pensa, pois as pessoas gostam de aprender se o conteúdo está associado ao entretenimento ou a algum assunto que seja do interesse de quem vai assistir”, completa Priscila Gonsales, fundadora do Educadigital, entidade que faz projetos em educação na cultura digital.

Para ela, não há prejuízo em um estudante assistir a uma aula na escola e depois ver cinco minutos de um conteúdo online para reforçar.

“O perfil dos estudantes é outro e o mundo fora das escolas é tomado pelo contexto digital. Mas continua sendo muito importante para a escola ser o espaço de acolhida para debates e reflexões sobre quem somos e como estamos sendo cooptados e influenciados pelas mídias digitais.”

Por causa da grande evasão no ensino médio público, em que estudam os adolescentes, muito se discute o quanto a educação está distante dos jovens do século 21. Mas, apesar da necessidade de se repensar as práticas pedagógicas, dizem as especialistas, a escola continua sendo um espaço essencial para aprender valores, ética, interações sociais e reflexões, imprescindíveis para a educação. O ideal é uma estratégia híbrida, em que os professores possam ser mediadores do conteúdo digital e ele funcione como um complemento.

A youtuber mineira Débora Aladim, de 21 anos, foi uma das sensações de um aulão preparatório para o Enem, patrocinado pelo Santander em outubro no Ginásio do Ibirapuera, com 6 mil alunos. Ela ainda cursa História na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e seu canal no YouTube, em que faz vídeos como “A revolução francesa em 5 minutos”, tem 2,3 milhões de inscritos.

Debora Aladim, youtuber, que faz muito sucesso e tem milhares de seguidores, dando aulas no youtube. FOTO WASHINGTON ALVES / ESTADÃO

Débora se forma professora em breve e não pensa em trabalhar em escolas.

“Como professora online tenho liberdade, monto minhas aulas de acordo com a demanda”, diz.

Com o dinheiro que vem da popularidade nas redes, ela saiu da casa dos pais, alugou um apartamento e se sustenta. Débora grava os vídeos sozinha, na sua casa, e tem apenas um editor para fazer a montagem. Mas sua equipe inclui empresário e assessores.

Filha de um veterinário e uma dentista, ela virou youtuber por acaso. Quando tinha 15 anos, costumava escrever resumos de História para os colegas antes das provas. Certo dia, seu computador quebrou e ela fez o resumo em vídeo, no celular. Como era pesado demais, teve de colocar no YouTube para que os colegas pudessem assistir. O vídeo teve rapidamente mil visualizações, e ela percebeu que podia fazer mais.

Hoje, os mais vistos do seu canal são truques para se dar bem na redação do Enem – outro tema que ela passou a ensinar. Um dos campeões, com 3 milhões de visualizações, chama-se “Escrevendo redação sem saber nada do tema”. Débora é popular também no Instagram, onde posta viagens, tatuagem, fotos com o namorado e faz posts patrocinados pela Uber Eats.

Veja o vídeo do canal de Débora Aladim:

O matemático Daniel Ferretto, de 44 anos, tem mais o estilo de professor de cursinho convencional. Foi justamente como ele começou em Santa Catarina em 1998, quando chegou a dar 65 aulas por semana em sete cidades. Em 2012, passou em um concurso para papiloscopista na Polícia Federal. Mas sentia falta das aulas e arriscou gravar um vídeo sobre adição simples.

“Em um dos quartos de casa montei um estúdio, com cadeira, tripé e lousinha”, conta.

Aprendeu sobre equipamentos de vídeo, edição e fez tudo sozinho.

“No começo tinham quatro inscritos, achei que ia chegar a, no máximo, 300.”

Hoje o canal Ferretto Matemática tem 2,2 milhões de inscritos, com vídeos que vão do básico da porcentagem à matemática financeira. Trabalham com ele atualmente 17 pessoas, entre monitores e assessores. Nos últimos meses, fez dezenas de vídeos e aulas ao vivo de revisão do Enem, e ganha também com os pacotes de R$ 22 mensais por cursos online.

“Como já está tudo na internet, o professor não é mais o detentor do conhecimento, não dá para continuar dando aulas como em 1920.”

Veja o vídeo do canal de Daniel Ferreto:

 
Fonte: ESTADÃO
Originalmente publicada em 28/11/19 às 13:00
Atualizada em 30/11/19 às 19h

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