(por The New York Times)
O monge budista Thich Nhat Hanh foi privado por anos do direito de voltar a seu país, o Vietnã. Viveu mais de cinco décadas no exterior, fazendo campanha contra a guerra e ensinando a prática do “mindfulness” (meditação de atenção consciente).
O reverendo Martin Luther King Jr. o tinha como amigo e o recomendou para o Nobel da Paz em 1967. Anos mais tarde, líderes de grandes empresas de tecnologia abraçaram os ensinamentos desse mestre zen. Oprah Winfrey o entrevistou. O presidente Barack Obama o citou na visita que fez ao Vietnã em 2016.
Hoje com 92 anos e sofrendo os efeitos de um acidente vascular cerebral grave, Nhat Hanh retornou à sua cidade natal, Hue, na região central do Vietnã, para passar o fim de sua vida no mosteiro onde tornou-se monge noviço aos 16 anos de idade.
“Foi o governo sul-vietnamita que o expulsou”, disse a monja True Dedication, discípula de Nhat Hanh e ex-jornalista da BBC. “Durante muito tempo foi seu desejo voltar para o Vietnã.”
Nhat Hanh fez mais que quase qualquer pessoa nas últimas décadas para difundir o conceito de mindfulness pelo mundo. Seus ensinamentos atraíram adeptos em lugares tão improváveis quanto o Vale do Silício, o Banco Mundial, o Congresso e o Exército americanos.
Desde seu retorno ao templo Tu Hieu, no final de outubro, sua presença vem atraindo centenas de seguidores, alguns dos quais esperam dias na esperança de terem um vislumbre dele sendo levado pelo pátio do templo em sua cadeira de rodas.
Antes fluente em sete línguas, o AVC que ele sofreu em 2014 o deixou parcialmente paralisado e incapaz de falar.
O governo comunista vietnamita não fez nenhum comentário público sobre seu retorno, mas várias figuras governamentais de alto escalão vieram vê-lo reservadamente e prestar seus respeitos. O embaixador dos EUA no Vietnã, Daniel Kritenbrink, visitou Nhat Hanh pouco após seu retorno e disse que estar com ele pessoalmente foi uma honra.
E no mês passado nove senadores americanos visitaram Nhat Hanh. Foi um encontro que alguns deles descreveram mais tarde como tendo sido cheio de emoção.
“Foi algo que transcendeu de longe uma experiência política”, disse ao telefone o senador democrata Patrick Leahy, do Vermont, que liderou a delegação. “Foi uma experiência profundamente religiosa.”
Outro senador que integrou o grupo, o democrata Tom Udall, do Novo México, contou que em 2003, quando era deputado, participou de um workshop com Nhat Hanh e que desde então medita diariamente.
Um ensinamento de Nhat Hanh que ele abraçou é algo que o monge descreve como meditação ambulante. “Desde que eu conheci você, quando ando até o plenário do Senado para votar, lembro-me de estar beijando a Terra com meus pés”, disse Udal a Nhat Hanh em Hue.
O governo vietnamita deixou Nhat Hanh visitar o país pela primeira vez em 2005, 39 anos depois de sua partida, mas apenas recentemente o autorizou a voltar de modo permanente.
Nhat Hanh é uma das figuras vietnamitas mais conhecidas e reverenciadas no âmbito internacional. Ele e o Dalai Lama muitas vezes são citados como os dois monges budistas mais influentes da era moderna.
Durante sua vida no exílio, Nhat Hanh estabeleceu dez mosteiros e centros de prática budista em meia dúzia de países, incluindo os Estados Unidos, França e Tailândia. Ele escreveu mais de cem livros que apenas nos EUA já venderam milhões de cópias. Seus seguidores chegam às centenas de milhares.
Muitos americanos o conhecem como o maior proponente do mindfulness, um estado mental alcançado quando focamos nossa atenção no momento presente. Nhat Hanh cunhou o termo “budismo engajado” e incentivou os budistas a agir concretamente para melhorar a vida dos desfavorecidos e promover a paz.
“Esta ideia do budismo engajado hoje é generalizada”, disse John Powers, professor pesquisador na Universidade Deakin, na Austrália, e especialista em budismo.
Thich Nhat Hanh deixou o então Vietnã do Sul rumo aos Estados Unidos em 1960, lecionando religião nas universidades Princeton e Columbia. Ele retornou a seu país em 1963 para assumir papel de liderança no movimento budista contra a guerra no Vietnã.
Ele viajou aos EUA novamente em 1966 e teve um encontro com Martin Luther King em Chicago, onde os dois apareceram juntos. Enquanto estava ali, o Vietnã do Sul o proibiu de voltar ao país.
Sua amizade com King começara um ano antes, quando ele escreveu a King para explicar por que monges e uma monja budistas, seus amigos e colegas, haviam se imolado no Vietnã, ateando fogo ao próprio corpo, para protestar contra a guerra.
“Eu falei a ele que não haviam sido suicídios”, Nhat Hanh disse a Oprah Winfrey na entrevista que deu à apresentadora em 2010. “Às vezes temos que nos queimar para sermos ouvidos. É por compaixão que se faz isso. É um ato de amor, não de desespero.”
Nhat Hanh incentivou King a posicionar-se publicamente contra a guerra, coisa que King fez em 1967. King pediu ao Instituto Nobel que concedesse o Prêmio Nobel da Paz daquele ano a Nhat Hanh.
“Este é um apóstolo da paz e da não-violência, alguém que foi separado cruelmente de seu próprio povo no momento em que este é oprimido por uma guerra brutal que vem crescendo para ameaçar a sanidade e segurança do mundo inteiro”, escreveu King.
Em seus últimos anos, Nhat Hanh dedicou sua vida ao ensino do mindfulness e do budismo engajado.
Em 2013, aos 87 anos, visitou os Estados Unidos e promoveu eventos de mindfulness na sede do Banco Mundial, em Washington, e em empresas de tecnologia na área da baía de San Francisco.
Depois de sofrer um AVC no ano seguinte ele foi convidado a voltar a San Francisco por um seguidor destacado, o bilionário Marc Benioff, fundador da empresa de computação na nuvem Salesforce.
Benioff o levou para tratamento de reabilitação no Centro Médico da UCSF, célebre por tratar vítimas de AVC. Nhat Hanh viveu seis meses na casa de Benioff, acompanhado por uma comitiva inesperada de cerca de 50 seguidores.
“Abrimos nossa casa a eles e eles se instalaram”, disse Benioff em entrevista. “De repente nossa casa foi transformada em um centro espiritual.”
Inspirado pelo modo como Nhat Hanh e seus seguidores incorporavam o mindfulness em sua vida diária, Benioff fez disso uma parte da cultura de sua empresa e abriu centros de meditação em todos os andares do Salesforce Tower, o edifício mais alto de San Francisco.
“Vivemos numa sociedade onde estamos constantemente ligados, e viver constantemente ligados não é natural”, ele comentou. O mindfulness, disse Benioff, “permite que nos desliguemos da velocidade, da complexidade e do barulho da vida diária e voltemos a estar em paz”.
Ao cerne do ensinamento de Nhat Hanh está a ideia de que as pessoas devem se esforçar para “tornar-se paz” e, através da prática, superar o ódio e as emoções negativas.
“Nossos inimigos não são o homem”, Nhat Hanh escreveu a King em 1966, mas “a intolerância, o fanatismo, a ditadura, a cobiça, o ódio e a discriminação que vivem no coração do homem.”
Fonte: FOLHA DE S.PAULO
[Originalmente publicada em 17 de maio de 2019 às 8h29]