Por Henrique Gomes Batista
SÃO PAULO – A transformação dos países da Escandinávia de dependentes de petróleo e recursos naturais a hub de inovações ocorreu graças à parceria entre governos e empresas e muito investimento em educação, diz Juha Leppänen, diretor-executivo do Demos Helsinki, think tank dedicado ao tema na Finlândia, considerado o sexto país mais inovador do mundo. Aos 34 anos, ele vê agora o início de uma nova fase nessa área, na qual as inovações precisam ter conquistas sociais como foco. A desconexão com a vida das pessoas, para ele, está por trás das crescentes críticas a gigantes da tecnologia. Em passagem recente pelo Brasil para participar de eventos como Scandinavian Day, em São Paulo, o especialista afirmou, em entrevista ao GLOBO, que o Brasil precisa criar seu caminho para inovar e não apenas tentar reproduzir a experiência de outros países.
Como os países nórdicos passaram de dependentes de recursos naturais , como petróleo e florestas, para um polo de inovação?
Entre os países nórdicos, a Noruega era realmente muito, muito dependente do petróleo , e acabou usando esses recursos para criar um fundo soberano (que reinveste a renda do petróleo) para cuidar dessa transformação. A Finlândia, por sua vez, teve uma experiência diferente. Nós não temos óleo, mas recursos naturais, como as florestas. E vivemos essas transformações por décadas, na medida em que repensamos a exploração das florestas, hoje focada em um movimento ecológico. Mas algo comum entre todos os países nórdicos é que eles decidiram mudar suas narrativas quando passaram a focar em gente e nas habilidades humanas. Essencialmente, foram os investimentos sociais em qualidade de vida e em educação que geraram essa nova história. A Finlândia era um dos países mais pobres da Europa. A transformação começou após o fim da Segunda Guerra, em uma escala que transformou primeiro o país agrícola em industrial e, agora, em um país pós-industrial, com serviços e inovação. O que fez a diferença foi investir nas pessoas, pois no fundo é o que temos. Comparados com Brasil, EUA, Rússia e China, somos países pobres, com populações menores.
E como está a economia da Finlândia atualmente?
Os negócios florestais seguem importantes, com uma indústria inovadora, que agora tem buscado novos materiais, novas tecnologias de construção. E, em paralelo, investiu-se em tecnologia. Nosso grande caso é a Nokia (fabricante de celulares). Hoje, somos realmente significativos em inovação em Tecnologia da Informação (TI). E graças a este ambiente favorável, temos uma série de empresas inovadoras focadas em jogos, mobilidade, serviços, consumo. Há uma nova dinâmica na Finlândia.
Qual o papel do governo na inovação nórdica?
A narrativa nórdica mostra que a mudança ocorre com a colaboração do setor público, indicando linhas estratégicas. É claro que o setor privado fez bem o seu trabalho, como a Nokia. Temos novos estudos, como os de Mariana Mazzucato (economista ítalo-americana autora do livro “O Estado Empreendedor”), que pesquisou como a inovação pública nos países nórdicos deu suporte à inovação privada. E isso ocorre em vários países. Mesmo nos EUA, investimentos militares puxaram uma série de indústrias para a inovação, em diversos setores, gerando produtos como o GPS. Não podemos ter uma visão reducionista. Nem o setor privado sozinho nem o setor público sozinho vai gerar a inovação.
Mas governos podem controlar a inovação?
O setor público também tem que ver se a inovação gera externalidades negativas, como a mudança climática. As empresas não se preocupam muito com isso, e cabe aos governos pensar no interesse público. Hoje vemos muita inovação nas cidades. O Uber é um bom exemplo, privado, mas que pode gerar externalidades negativas, como o fim dos táxis, congestionamentos em um sistema não necessariamente inclusivo. O setor público precisa de um papel mais forte não apenas para regulamentar em alguns casos estas inovações, mas para indicar a direção delas. O Airbnb (plataforma de aluguel temporário acusada na Europa de inflacionar o mercado imobiliário de cidades turísticas, afastando a população) é outro exemplo típico: inovação privada com impactos sociais.
O senhor tem visão crítica da inovação, por acreditar que ela digitalizou a sociedade, mas não enfrentou os maiores problemas da humanidade…
Ainda não está ajudando no enfrentamento dos grandes problemas, como a desigualdade e as mudanças climáticas. Mas há um potencial. O desafio é que temos muito em inovação tecnológica de negócios e pouco em inovação social. E precisamos delas juntas. Por exemplo, temos hoje uma inovação em mobilidade, com os carros elétricos, mas eles não vão mudar as cidades sem uma nova infraestrutura urbana. Muitas vezes a inovação não tratou dos pontos realmente importantes.
E como as sociedades estão reagindo a isso?
Há um aumento do techlash (forte reação às principais empresas de tecnologia, por questões como poder, privacidade e manipulação política). Nos EUA , a favorita para ser a candidata democrata à Presidência, (a senadora) Elizabeth Warren, está incitando uma nova abordagem sobre essas grandes empresas, para que sejam mais confiáveis. E isso pode estar por trás da revolta contra a classe política no mundo. A inovação tem que fazer sentido para as cidades, para as pessoas, e gerar lucro para as empresas.
O Brasil hoje não é um dos líderes em inovação. O que o país precisa fazer?
Acredito que temos que voltar ao básico. O primeiro é criar nos governos planos para atingir o padrão de “carbono neutro” estabelecido pela ONU, como meta para 2025. Hoje é preciso criar uma união com o setor privado para conseguir uma estratégia. O governo precisa se dar conta de que nunca vai atingir os objetivos se não tiver o engajamento do setor público. E, claro, melhorar a educação, envolver as universidades. Modelos locais podem funcionar, pois o Brasil é muito rico e diverso, mais que os países nórdicos combinados. E tem que estar focado em setores econômicos onde é mais forte, como a agricultura.
O Brasil tem que buscar seu próprio caminho?
Sim, tem que buscar a inovação onde faz sentido para o país. Não há razão para focar em TI ou mídia, tem que buscar nos grandes temas, moradia, mobilidade, alimentos. E tudo isso de forma sustentável. A Finlândia começou sendo inovadora em telecomunicações, e hoje está focada em moradia. Isso tem a ver com o mercado. Temos que pensar nos grandes temas, e o Brasil é competitivo em agricultura, por exemplo. Então este setor deve ser o foco, não tentar replicar o modelo de inovação no que era relevante nos últimos dez anos.