Almofadas com molas – sobre o silêncio vivo da meditação

Por Fábio Régio Bento

No programa Roda de Conversa n.53 – Os Caminhos de Buda e Cristo para a Libertação
-, transmitido pela Rádio Ação Paramita na manhã de 11 agosto 2020, Frei Betto e
Lama Padma Samten podiam ser vistos como ativistas cuja ação no mundo se
desenvolve a partir do encontro cotidiano com o silêncio na meditação.

“Tudo volta para o silêncio”, pensei. Podemos fazer uma palestra para muitas pessoas,
com muitas perguntas e, depois, tudo volta para o silêncio. No final da festa, do show,
tudo volta para o silêncio, mas como é tal silêncio? Como vimos em Frei Betto e Lama
Samten, o silêncio da meditação não é um silêncio morto, mas vivo; não é triste, mas
alegre, bem-humorado; não é um silêncio de solidão, mas de multidão; não é um
silêncio de ódio, mas de amor; não é um silêncio conservador, mas revolucionário,
subversivo mesmo. É como se eles sentassem em almofadas com molas na meditação e
dali saíssem movidos pelo encantamento realista em várias direções em suas ações no
mundo.

O silêncio da meditação não é mudo. Fala com a linguagem da Esfera Absoluta,
ambiente kayrótico. Kayrós interpretado não somente como tempo sem tempo, mas
como ambiente do tempo sem tempo, que é um tempo que interage com o cronos, o
tempo das aparências. Assim vamos nos movendo no ambiente cronológico com o
encantamento realista que encontramos no ambiente kayrótico, pátria primordial e
definitiva de todos os seres e que está aquém da nossa sensação de alguém, onde há
movimento permanente de relações infindas de lúcida compaixão.

Tudo volta ao silêncio e o silêncio da meditação é vivo, consola, fortalece desde que
permitamos que ele seja o que é, sem fabricação. Quem olha de fora não vê, mas quem
está em meditação está na dança das galáxias vivas do amor lúcido, um espaço com
especificidade sem separatividade, de unidade sem conformidade.

Depois do programa alguém perguntou se sou católico ou budista e respondi sugerindo
de trocar o “ou isso ou aquilo” pelo “e e”. Na dúvida entre sectarismo e sincretismo,
melhor mesmo é o banquete variado de alimentos saudáveis para todos.

Certa vez uma menina perguntou à sua mãe o que ela estava fazendo ali sentada numa
almofada em silêncio com uma sua amiga que fazia o mesmo, e a mãe respondeu:
“Estamos mudando o mundo, minha filha, praticando a guerrilha do tapetinho”.

A católica italiana Chiara Lubich explicou que na sua meditação procurava não dar
atenção às tantas vozes que se manifestavam dentro dela. Mesmo quando tinha a
impressão de ouvir vozes santas, nesse período de silêncio interior procurava não dar
encaminhamento a nenhuma delas (LUBICH, 2018). Dizia que, depois disso, emergia
“Aquela Voz”, que a orientava em seu dia-a-dia carregado de desafios, afinal Chiara foi
fundadora e presidente de um movimento internacional complexo, o Focolare, em
conexão com múltiplos sujeitos coletivos, leigos e confessionais, locais e internacionais.

E podemos ouvir vozes boas em nós porque somos bons. Em Roma, enquanto cursava o
mestrado em Teologia Moral, lembro de uma apostila que já não tenho mais onde o
professor explicava que “mesmo para Agostinho, popularmente classificado como
pessimista, a natureza humana é boa”. E ainda: “A bondade original é nossa marca
profunda. Somos bons, viemos do Bom, que é Amor”. Ele não negava os problemas, as
contradições, os equívocos, mas descolava nossa identidade primordial de uma visão
negativa sobre nós mesmos.

Interrogado sobre se nossa natureza verdadeira fosse “inerentemente maculada” pelo
fato de termos raiva, Chagdud Rinpoche respondeu enfaticamente: “Absolutamente não.
Se nossa natureza fosse maculada, os métodos espirituais não poderiam reduzir a
negatividade e trazer à tona nossas qualidades positivas. Porque nossa natureza é
perfeita, podemos usar os métodos para remover os obscurecimentos superficiais que
ocultam essa pureza primordial” (2003, p.32).

Sobre isso, Teresa d’Ávila, monja carmelita citada por Betto no Roda de Conversa,
compara nossa vida interior a um Castelo com muitas moradas: “Não nos cansemos
tentando descrever a formosura deste castelo (…), com grande dignidade e beleza”
(1981, p.20). E ainda: somos como “um castelo feito de um só diamante ou de
limpíssimo cristal” (Ibidem, p.19). Segundo Betto, Teresa teria recebido influências
budistas.

Tratando sobre o que chamou de “matrimônio espiritual”, Teresa (1981, p.239) destacou
que nas sétimas moradas “cessam os movimentos ordinários das faculdades e da
imaginação. Estas não a prejudicam nem lhe tiram a paz”. Uma experiência onde “há
esquecimento de si, a ponto de parecer que não tem existência própria. Está toda ela de
tal modo transformada, que não se reconhece mais”. E, assim, “não se preocupa com o
que lhe pode suceder. Está num estranho olvido de si. Parece que nem existe. Não
pretende ser coisa alguma” (Ibidem, p.242). Teresa constatou que, em tal lugar “nenhum
temor sente da morte”, “já não desejam nem alegrias nem gostos espirituais”, “não há
securas nem sofrimentos interiores”, “quase nunca há perturbações interiores”, “tudo se
passa com extrema suavidade”, pois se “está em quietude quase contínua” (Ibidem,
p.244, 245, 246). Para ela, “a porta para entrar neste castelo é a oração, a meditação”,
“entrar em nós mesmos” (Ibidem, p.19, 23, 49). O caminho da internalização. De fato,
às suas irmãs carmelitas, dizia: “Entrai, entrai em vós mesmas, filhas minhas!” (Ibidem,
p.57). E recomenda distensão: “Vamos caminhando com tanto siso, que tudo nos
assusta, tudo nos amedronta” (Ibidem, p.64). Um amigo italiano, filho da comunidade
de Teresa, me mostrou certa vez um seu artigo onde destacava que a espanhola
associava santidade e sanidade pela via do bom humor. Contou-me alguns episódios de
sua vida de fundadora de conventos (meditação e ação no mundo) onde ela tratou coisas
aparentemente trágicas de forma cômica, o que me fez pensar no modo de operar
também de Lama Samten, que adota uma visão de vacuidade bem-humorada em vez de
sisuda, e de Betto que diz sempre sorrindo que “é melhor deixar o pessimismo para
tempos melhores”. Teresa dizia que o que alguns consideram como “arroubamento”
espiritual pode ser na verdade “abobamento”, o que poderia ser curado com sono e
alimentação (Ibidem, p.94). E destacava que o convite à meditação e oração não vem de
fora, mas de dentro: “Muitas vezes, estando a pessoa descuidada, Sua Majestade a
desperta como se fosse um meteoro ou estrela cadente, que passa repentinamente, ou
um trovão, sem ruído” (Ibidem, p.143). O trovão sem ruído me fez pensar no silêncio
vivo da meditação que citamos no início deste texto.

Frei Betto escreveu que o “vazio é a palavra mais leve que existe, cheia de nada” (2019,
p.59). Um nada bonito, carregado de encantamento ativo que funciona como mola em
almofadas de meditação para a ação no mundo lúcida, subversiva, compassiva.
Fábio Régio Bento

Citações

BETTO, Frei. Minha avó e seus mistérios. Rio de Janeiro: Rocco, 2019.
LUBICH, Chiara. Come ottenere e mantenere la presenza dello Spirito Santo.
Effetti. Vídeo. Setembro 2018. Grottaferrata. Código evento: FM20180901-01.
TERESA DE JESUS, Santa. Castelo interior ou moradas. São Paulo: Paulus, 1981.
TULKU RINPOCHE, Chagdud. Portões da prática budista. Três Coroas: Chagdud Gonpa, 2003


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