Daniel Everett na Amaz\u00f4nia; ao conviver com \u00edndios pirah\u00e3, o ent\u00e3o mission\u00e1rio se tornou ateu e criou teoria lingu\u00edstica que desafia a tese predominante (Foto: Arquivo pessoal \/ BBC News Brasil)<\/figcaption><\/figure>\n“A l\u00edngua deles n\u00e3o tem passado nem presente \u2014 ‘eu vou’ pode ser ‘eu fui’ ou ‘eu irei’. Voc\u00ea precisa entender o contexto”, explica Everett em entrevista por telefone \u00e0 BBC News Brasil, em portugu\u00eas fluente pelas tr\u00eas d\u00e9cadas passadas estudando as l\u00ednguas do Brasil.<\/p>\n
“Aprendi sobre uma autoconfian\u00e7a que eles t\u00eam de poder lidar com seu meio ambiente, e a felicidade que essa confian\u00e7a traz para eles. Eles sabem que existe um passado, mas n\u00e3o falam sobre ele porque o passado j\u00e1 era, ‘o importante \u00e9 cuidar dos nossos filhos, cuidar do meu ambiente agora e n\u00e3o se preocupar com o futuro’. (…) Eles n\u00e3o t\u00eam culto ou religi\u00e3o, n\u00e3o t\u00eam cren\u00e7a em um Deus superpoderoso que criou o mundo. Simplesmente s\u00e3o, na realidade, cientistas, emp\u00edricos \u2014 t\u00eam conhecimento pelas experi\u00eancias na mata, e n\u00e3o especula\u00e7\u00f5es sobre o que n\u00e3o d\u00e1 para ver”, afirma.<\/p>\n
“\u00c9 a vida sem cren\u00e7as religiosas e a satisfa\u00e7\u00e3o que isso traz para seres humanos. Por causa deles hoje sou ateu. N\u00e3o estou defendendo o ate\u00edsmo, estou simplesmente dizendo que isso representa uma alternativa de vida.”<\/p>\n
O estudo dessa estrutura lingu\u00edstica curiosa dos pirah\u00e3 evoluiu para uma proposi\u00e7\u00e3o que hoje desafia a mais estabelecida teoria da Lingu\u00edstica e que Everett volta a detalhar em um livro rec\u00e9m-lan\u00e7ado em portugu\u00eas, Linguagem: A Hist\u00f3ria da Maior Inven\u00e7\u00e3o da Humanidade <\/em>(editora Contexto).<\/p>\n“Sem essa inven\u00e7\u00e3o n\u00e3o haveria nenhuma outra”, argumenta. “A linguagem foi essencial para todas as civiliza\u00e7\u00f5es, para todas as outras tecnologias, para tudo o que temos.”<\/p>\nDaniel Everett com \u00edndios pirah\u00e3; “Aprendi sobre uma autoconfian\u00e7a que eles t\u00eam de poder lidar com seu meio ambiente, e a felicidade que essa confian\u00e7a traz para eles” (Foto: Arquivo pessoal \/ BBC News Brasil)<\/figcaption><\/figure>\nChoque de teorias<\/h3>\n Everett defende em seu livro que l\u00ednguas como a pirah\u00e3 “n\u00e3o parecem possuir qualquer gram\u00e1tica hier\u00e1rquica” ou estruturada como os demais idiomas, nem parecem ter a chamada recurs\u00e3o, processo lingu\u00edstico que consiste em inserir uma frase dentro da outra (o recurso de unir, por exemplo, as frases “homem caminha pela rua” e “homem veste chap\u00e9u” em “o homem que veste chap\u00e9u est\u00e1 caminhando pela rua”).<\/p>\n
Essa proposi\u00e7\u00e3o, por\u00e9m, desafia a teoria predominante da lingu\u00edstica, encampada pelo influente intelectual Noam Chomsky, que defende a ideia de uma “gram\u00e1tica universal”: de que alguns aspectos estruturais, como a recurs\u00e3o, s\u00e3o comuns a todos os idiomas e de que humanos possuem uma capacidade inata e gen\u00e9tica relacionada \u00e0 aquisi\u00e7\u00e3o da linguagem. Nesse caso, a linguagem n\u00e3o seria, portanto, uma inven\u00e7\u00e3o humana, mas inata aos humanos.<\/p>\n
Em resposta \u00e0 teoria de Everett, Chomsky j\u00e1 chegou a cham\u00e1-lo de “charlat\u00e3o” e argumentou que as peculiaridades do idioma pirah\u00e3 n\u00e3o colocariam em xeque a “gram\u00e1tica universal”, uma vez que os falantes da l\u00edngua teriam, segundo ele, os mesmos componentes gen\u00e9ticos que o restante da humanidade.<\/p>\n
Everett diz n\u00e3o descartar o valor da gen\u00e9tica na linguagem, mas defende que \u00e9 preciso considerar o papel da cultura humana no desenvolvimento dos s\u00edmbolos, que por sua vez levam \u00e0s l\u00ednguas.<\/p>\n
“Nosso c\u00e9rebro maior se deve \u00e0 gen\u00e9tica, ent\u00e3o n\u00e3o estou dizendo que a gen\u00e9tica seja irrelevante \u2014 mas n\u00e3o necessariamente uma linguagem especificamente designada \u00e0 linguagem. A intelig\u00eancia junto com a cultura, a meu ver, \u00e9 capaz de explicar a origem da linguagem”, afirma \u00e0 BBC News Brasil.<\/p>\n
“Durante muitos anos achei (a teoria de Chomsky) n\u00e3o somente plaus\u00edvel como a aceitei, mas acho que (…) a explica\u00e7\u00e3o \u00e9 mais simples. Sabemos que todos os seres humanos t\u00eam cultura, todo o mundo tem s\u00edmbolos, e simplesmente n\u00e3o vejo necessidade de postular algo a mais (como a ‘gram\u00e1tica universal’). Acho que a diferen\u00e7a entre o ser humano e os outros animais n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o grande quanto pens\u00e1vamos.”<\/p>\nSimula\u00e7\u00e3o do Homo erectus, que, segundo Everett, foi o ‘inventor’ da linguagem (Foto: BBC News Brasil)<\/figcaption><\/figure>\n<\/div>\n<\/div>\n\n
Do Homo erectus ao emoji<\/h3>\n Outra diverg\u00eancia \u00e9 temporal. Chomsky e colegas escreveram em artigos que “a faculdade da linguagem provavelmente emergiu recentemente em termos evolucion\u00e1rios, cerca de 70 mil a 100 mil anos atr\u00e1s”.<\/p>\n
Everett, por\u00e9m, defende que ela \u00e9 muito mais antiga e remete ao extinto homin\u00eddeo Homo erectus<\/em>, 2 milh\u00f5es de anos atr\u00e1s, tamb\u00e9m sob a influ\u00eancia da cultura e da \u00e2nsia explorat\u00f3ria dessa esp\u00e9cie.<\/p>\nSeu argumento \u00e9 de que o Homo erectus<\/em> vivenciou a “primeira e maior era da informa\u00e7\u00e3o” e foi capaz de viajar por diversos continentes e mares, de Israel \u00e0 China e \u00e0 Indon\u00e9sia, gra\u00e7as a sua capacidade de imaginar e de se comunicar pela linguagem, embora com sons provavelmente diferentes dos que somos capazes de fazer hoje.<\/p>\n“Sempre que voc\u00ea falar sobre algo de 2 milh\u00f5es de anos atr\u00e1s, haver\u00e1 controv\u00e9rsia”, diz. “(Mas) sabemos que o Homo erectus<\/em> tinha intelig\u00eancia, cultura e s\u00edmbolos, que o mar n\u00e3o era barreira para ele. (…) Somos as primeiras criaturas com cultura, ent\u00e3o a ideia de que (isso) tenha evolu\u00eddo para um sistema de s\u00edmbolos mais avan\u00e7ado, ou seja, para a linguagem, n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o dif\u00edcil de imaginar quanto tem sido por causa da influ\u00eancia de Chomsky sobre muitos arque\u00f3logos.”<\/p>\nO pesquisador afirma que assistimos a uma esp\u00e9cie de repeti\u00e7\u00e3o disso atualmente com a prolifera\u00e7\u00e3o dos emojis \u2014 que, embora n\u00e3o tenham sido criados “do nada”, como Everett diz ter sido o caso com a linguagem, s\u00e3o uma forma nova de comunica\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
“Se voc\u00ea coloca tr\u00eas emojis, faz uma senten\u00e7a. \u00c9, de certa forma, a recria\u00e7\u00e3o da hist\u00f3ria da inven\u00e7\u00e3o da linguagem, com o Homo erectus<\/em>. Estamos criando novos s\u00edmbolos e encaixando esses s\u00edmbolos em senten\u00e7as”, diz.<\/p>\nTeoria de Everett difere da de Noam Chomsky (Foto: AFP \/ BBC News Brasil)<\/figcaption><\/figure>\nNessa mesma linha, ele opina que nossa fascina\u00e7\u00e3o com as redes sociais nada mais \u00e9 do que a sucumb\u00eancia “ao impulso das trocas lingu\u00edsticas” que carregamos h\u00e1 milh\u00f5es de anos.<\/p>\n
Influ\u00eancia brasileira<\/h3>\n Everett diz que, para construir suas teorias, foi “fundamental” a experi\u00eancia de mais de 30 anos que teve estudando a “riqueza lingu\u00edstica” das culturas ind\u00edgenas da Amaz\u00f4nia brasileira.<\/p>\n
E ele acha que avan\u00e7os do desmatamento e das queimadas nas florestas podem amea\u00e7ar essa riqueza.<\/p>\n
“Temos tantas li\u00e7\u00f5es a aprender ainda sobre as culturas e l\u00ednguas amaz\u00f4nicas que destruir os ambientes necess\u00e1rios para sustent\u00e1-las tira do mundo inteiro uma fonte de conhecimento que n\u00e3o ter\u00edamos em nenhum outro lugar do mundo”, diz \u00e0 reportagem. “Sabemos mais sobre n\u00f3s quanto sabemos mais sobre eles. Estudar essas l\u00ednguas e esses povos foi o maior privil\u00e9gio da minha vida, eles me ensinaram mais sobre a natureza do ser humano do que qualquer coisa que li em livros.”<\/p>\n
Por fim, Everett diz que gostaria que as pessoas mantivessem a mente aberta para m\u00faltiplas possibilidades sobre as origens das l\u00ednguas.<\/p>\n
“As pessoas t\u00eam que ser abertas para v\u00e1rias hip\u00f3teses diferentes. A minha hip\u00f3tese sobre a origem a linguagem tem muito apoio, mas n\u00e3o estou dizendo que n\u00e3o \u00e9 preciso estudar outras. Temos que ler muito e pensar muito, porque (n\u00f3s humanos) somos apenas gorilas falantes e precisamos de toda a ajuda poss\u00edvel”, afirma.<\/p>\n
“A natureza do ser humano \u00e9 de achar que \u00e9 especial em rela\u00e7\u00e3o aos outros animais, mas n\u00e3o somos. Fazemos coisas est\u00fapidas e brilhantes, de muita beleza ou muito feias. Mas a linguagem \u00e9 que nos permite fazer isso tudo.”<\/p>\n
\u00a0<\/p>\n
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<\/picture><\/figure>\n<\/div>\n<\/div>\nFonte:
Terra<\/a><\/div>\n\u00a0<\/div>
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Por Paula Adamo Idoeta – @paulaidoeta – Da BBC News Brasil em S\u00e3o Paulo \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 O linguista e acad\u00eamico americano Daniel Everett teve sua vida completamente transformada por conviver, ainda nos anos 1970, com os \u00edndios brasileiros da tribo pirah\u00e3, na Amaz\u00f4nia. Everett, na \u00e9poca mission\u00e1rio crist\u00e3o, uniu-se \u00e0 tribo com a […]<\/p>","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"closed","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_themeisle_gutenberg_block_has_review":false,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[61],"tags":[],"class_list":["post-633","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-vivencia-indigena"],"jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack_featured_media_url":"","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/acaoparamita.com.br\/en\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/633","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/acaoparamita.com.br\/en\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/acaoparamita.com.br\/en\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/acaoparamita.com.br\/en\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/acaoparamita.com.br\/en\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=633"}],"version-history":[{"count":1,"href":"https:\/\/acaoparamita.com.br\/en\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/633\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":8255,"href":"https:\/\/acaoparamita.com.br\/en\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/633\/revisions\/8255"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/acaoparamita.com.br\/en\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=633"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/acaoparamita.com.br\/en\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=633"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/acaoparamita.com.br\/en\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=633"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}