{"id":690,"date":"2019-05-12T08:33:38","date_gmt":"2019-05-12T08:33:38","guid":{"rendered":"http:\/\/www.acaoparamita.com.br\/?p=690"},"modified":"2023-03-27T08:21:14","modified_gmt":"2023-03-27T11:21:14","slug":"as-novas-masculinidades","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/acaoparamita.com.br\/en\/as-novas-masculinidades\/","title":{"rendered":"As Novas Masculinidades"},"content":{"rendered":"
Por M\u00f4nica Dallari<\/em><\/p> A Libraria de Mulleres Lila de Lilith, \nfundada por feministas em 2011, na zona antiga de Santiago de \nCompostela, na Espanha, se distingue por oferecer um amplo acervo quase \nexclusivo de escritoras de todo o mundo. O objetivo \u00e9 dar visibilidade e\n promover a produ\u00e7\u00e3o liter\u00e1ria feminina e feminista em todas as suas \nformas, na poesia, nos livros infantis, na fic\u00e7\u00e3o ou em ensaios sobre \neconomia, sa\u00fade, direito ou sexualidade. <\/p> Lilith, diz o mito, foi a primeira mulher de Ad\u00e3o, ambos criados do barro por Deus. Por n\u00e3o aceitar a submiss\u00e3o ao marido, e exigir direitos iguais, Lilith abandonou Ad\u00e3o e fugiu do Jardim do \u00c9den. Para aplacar a tristeza de Ad\u00e3o, Deus tirou um peda\u00e7o de sua costela e criou Eva, uma mulher submissa e dependente. Lilith foi para o Mar Vermelho e se tornou um dem\u00f4nio noturno. <\/p> No pequeno espa\u00e7o t\u00e3o interessante, rico\n e diversificado de produ\u00e7\u00e3o cultural, um livro, entre os rar\u00edssimos \nautores masculinos, chamou a minha aten\u00e7\u00e3o \u201cNovas masculinidades \u2013 O \nfeminismo a (de) construir o homem\u201d, do soci\u00f3logo Jorge Garc\u00eda Marin, \nprofessor da Universidade de Santiago de Compostela. A vendedora me \nexplica que os homens devem participar do debate sobre uma nova \nsociedade igualit\u00e1ria e como o autor defende as causas feministas, teve o\n seu espa\u00e7o garantido. Imediatamente o tema me interessou.<\/p> Sou m\u00e3e de tr\u00eas jovens rapazes de 19, 21\n e 22 anos e convivi com os questionamentos di\u00e1rios que sofreram suas \nposturas, ideias, opini\u00f5es e comportamentos feitos por meninas \nadolescentes, colegas nas escolas, feministas convictas, empenhadas em \n\u201cderrotar o machismo\u201d. Fiquei curiosa em saber o caminho desse debate. <\/p> \u201cAs novas masculinidades s\u00e3o um produto \nou uma consequ\u00eancia do feminismo\u201d, explica o psiquiatra portugu\u00eas Marcos\n Gon\u00e7alves. Para Lu\u00edsa Monteiro, escritora e atriz portuguesa, ambos \nautores dos pref\u00e1cios no livro, a nova masculinidade \u00e9 afetiva. \u201cJ\u00e1 n\u00e3o \nse trata do admir\u00e1vel, do sedutor, do apaixonado, mas do afetuoso.\u201d <\/p> Jorge Garcia Marin argumenta que as novas masculinidades s\u00e3o compat\u00edveis com diversas reivindica\u00e7\u00f5es do feminismo. \u201cA repress\u00e3o das emo\u00e7\u00f5es nos homens tem um alto custo e os obriga a viver a masculinidade como fator de risco: brigas, guerras, uso de drogas, tr\u00e1ficos de seres humanos ou suic\u00eddios s\u00e3o a\u00e7\u00f5es claramente masculinizadas, e demonstram as dificuldades dos homens para criarem v\u00ednculos afetivos e \u00edntimos\u201d.<\/p> Ser homem \u00e9 estar numa posi\u00e7\u00e3o que implica poder. A cultura da viola\u00e7\u00e3o, mostra vergonhosa da constru\u00e7\u00e3o de identidades masculinas, constitu\u00edda historicamente pelo controle, viol\u00eancia, competividade e for\u00e7a, agora se depara como uma nova sociedade. As mulheres deixaram de ser \u201cobjetos\u201d e se tornaram indiv\u00edduos independentes. Nas manifesta\u00e7\u00f5es violentas, o homem considera a mulher sua possess\u00e3o e necessita demonstrar constantemente a sua virilidade. Esta seria a explica\u00e7\u00e3o \u00e0 viol\u00eancia machista que aumenta em ritmos galopantes, inclusive em pa\u00edses desenvolvidos.<\/p> H\u00e1 um ano, a Associa\u00e7\u00e3o Americana de \nPsic\u00f3logos divulgou um documento alertando sobre os problemas provocados\n pelo machismo. \u201cA socializa\u00e7\u00e3o de meninos para corresponder \u00e0 ideologia\n tradicional de masculinidade limita o desenvolvimento psicol\u00f3gico de \nhomens e seu comportamento, resultando em press\u00f5es e conflitos \nrelacionados ao papel de g\u00eanero e influencia negativamente a sa\u00fade \nf\u00edsica e mental\u201d, diz o texto. Profissionais devem trabalhar aspectos \npositivos para a nova masculinidade, como flexibilidade e coragem.<\/p> A viol\u00eancia de g\u00eanero \u00e9 um comportamento\n masculino inaceit\u00e1vel, argumenta o americano Jackson Katz, PhD em \nEstudos Culturais e Educa\u00e7\u00e3o pela Universidade da Calif\u00f3rnia. Para ele,\n combater o crescimento assustador do feminic\u00eddio exige um novo olhar \ncr\u00edtico para o problema, colocando em evid\u00eancia os autores dos crimes, \nos homens, e n\u00e3o apenas as v\u00edtimas. \u201cSolu\u00e7\u00f5es dur\u00e1veis para o problema \nda viol\u00eancia de g\u00eanero s\u00f3 podem ser atingidas nos n\u00edveis institucionais,\n pol\u00edticos e culturais, onde os homens det\u00eam uma influ\u00eancia \ndesproporcional\u201d. O di\u00e1logo precisa ser ampliado. <\/p> Marin considera surpreendente a escassa presen\u00e7a de homens em foros de igualdade e de reflex\u00e3o sobre temas de g\u00eanero. Os chamados estudos das masculinidades surgiram timidamente nos anos 1970, sobretudo nos pa\u00edses anglo-sax\u00f5es, se fortalecendo a partir dos anos 1980 como consequ\u00eancia do crescimento brutal da viol\u00eancia contra as mulheres. <\/p> Para a feminista nigeriana Chimamanda \nNgozi Adiche, a educa\u00e7\u00e3o \u00e9 fundamental para desconstruir os \u201cpap\u00e9is de \ng\u00eanero\u201d, muito dif\u00edceis de serem desaprendidos. Se n\u00e3o empregarmos a \ncamisa de for\u00e7a do g\u00eanero nas crian\u00e7as pequenas, daremos a elas espa\u00e7os \npara alcan\u00e7arem todo o seu potencial. \u201cOs estere\u00f3tipos de g\u00eanero s\u00e3o t\u00e3o\n profundamente incutidos em n\u00f3s, que \u00e9 comum os seguirmos mesmo quando \nv\u00e3o contra nossos verdadeiros desejos, nossas necessidades e nossa \nfelicidade\u201d. \u00c9 importante valorizarmos para as crian\u00e7as a \u00e9tica do \ncuidado, da responsabilidade, da preocupa\u00e7\u00e3o pelos outros, dos \nsentimentos e dos afetos. <\/p> Na Austr\u00e1lia, o ativista Michael Flood, professor da Universidade de Tecnologia de Queensland,\u00a0 pesquisa h\u00e1 30 anos sobre como envolver os homens na preven\u00e7\u00e3o prim\u00e1ria da viol\u00eancia contra as mulheres. Entre 1990 e 1998, Flood\u00a0 publicou a revista \u201cXY: Men, Sex, Politics\u201d, focada em temas relacionados \u00e0s masculinidades e em pol\u00edticas de g\u00eanero comprometidas com o feminismo. <\/p>Marin explica que a masculinidade cl\u00e1ssica, tradicional, \u00e9 um modelo baseado na exclus\u00e3o e no dom\u00ednio do outro, na subordina\u00e7\u00e3o do diferente. <\/h3>
A constru\u00e7\u00e3o cultural do g\u00eanero n\u00e3o s\u00f3 determina o papel social das mulheres, mas tamb\u00e9m o dos homens. A inten\u00e7\u00e3o \u00e9 dar visibilidade a todo o tipo de viol\u00eancia contra as mulheres e discutir sa\u00eddas atrav\u00e9s do pacifismo, da educa\u00e7\u00e3o n\u00e3o violenta e do feminismo.<\/h3>