(Por Clarissa Neher, de Berlim)
A bancada do Partido Verde alemão aprovou nesta terça-feira (05/11) uma moção para a saída da Alemanha do vigente acordo nuclear bilateral com o Brasil, que será apresentada ao Bundestag, o Parlamento alemão. Em vigor desde 1975, a cooperação serviu de base para a construção das usinas nucleares de Angra dos Reis. A decisão sobre o encerramento unilateral da parceira deverá ser analisada pelos deputados na próxima semana.
Esta é a segunda vez que os verdes tentam encerrar o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. Uma iniciativa semelhante apresentada em 2014 fracassou. A deputada Sylvia Kotting-Uhl, que é presidente da comissão parlamentar para Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear, avalia que o momento atual é favorável para a aprovação da moção.
“A situação no Brasil mudou. Há um novo presidente, que rapidamente mostrou que não adota padrões ambientais e de direitos humanos semelhantes aos da Alemanha. Isso significa que, do ponto de vista alemão, a situação piorou muito”, afirma Kotting-Uhl, que está liderando a inciativa ao lado do deputado Jürgen Trittin, que faz parte da comissão parlamentar para o Exterior.
De acordo com Kotting-Uhl, a manutenção do acordo com o Brasil também contradiz a decisão da Alemanha de abandonar a energia nuclear até 2022. Anunciado pela chanceler federal Angela Merkel em 2011, o desligamento de todas usinas nucleares no país foi uma reação ao desastre de Fukushima.
Na nova moção sobre o acordo com o Brasil, os parlamentares destacam que a decisão alemã de abandonar a energia nuclear tem como objetivo proteger a sociedade dos riscos e que, por isso, o governo alemão deveria seguir esse princípio em outros países.
“Quando solicitamos o encerramento do acordo, há cinco anos, o governo alemão argumentou que precisava dele para ter influência sobre os padrões de segurança que seriam usados, por exemplo, na construção de Angra 3. Esse acordo, no entanto, não contribuiu para que houvesse essa influência. Nem o governo alemão nem a sociedade alemã tiveram acesso a informações sobre os padrões de segurança desse projeto”, destaca Kotting-Uhl.
Em vigor há 44 anos e negociado durante o regime militar, o acordo previa a construção de oito usinas nucleares no Brasil, em parceria com empresas alemãs, além do desenvolvimento de uma indústria teuto-brasileira para a fabricação de componentes e combustível para os reatores.
Com vigência inicial de 15 anos, o pacto prevê a prorrogação por períodos de cinco anos, caso nenhuma das partes o cancele. Até agora, ele já foi estendido seis vezes.
Do papel, porém, saíram apenas duas usinas, a Angra 1 e 2. Angra 3 está em construção há 35 anos, e as obras estão paralisadas desde 2015 devido a um escândalo de corrupção. Já foram gastos quase 10 bilhões de reais no projeto, e para finalizá-lo serão necessários mais 15 bilhões de reais. A conclusão da usina é uma das prioridades do governo de Jair Bolsonaro.
Na justificativa para o fim do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, o Partido Verde destaca que a parceria não contribuiu para melhorar a segurança nas usinas de Angra, que foram construídas numa região de risco de deslizamento de terra e sem proteção satisfatória para o caso de acidentes ou catástrofes. Além disso, Angra 3 está sendo construída com uma tecnologia ultrapassada, argumentam os verdes.
O documento ressalta também as precárias condições ambientais e de segurança na exploração de urânio no Brasil, citando um relatório da ONG francesa Comissão de Pesquisa Independente e Informação sobre Radioatividade (CRIIRAD) que mostrou os impactos negativos para a saúde de moradores das regiões de minas de urânio no país.
A moção destaca que cada país é soberano para decidir sobre suas fontes de energia, mas pontua que, num mundo globalizado, nenhuma nação toma decisões sem levar em consideração desenvolvimentos de outros países e sem debates com outros governos.
Como exemplo, cita o desmatamento e os recentes incêndios na Amazônia, que levaram a Alemanha a suspender, em agosto deste ano, o financiamento de projetos para a proteção da floresta diante a “inação” do governo brasileiro.
Os verdes argumentam ainda que o Brasil pretender não apenas ampliar massivamente o uso da energia nuclear, mas também alcançar o domínio de todo o ciclo do combustível nuclear, o que possibilitaria a construção de uma bomba atômica. O texto aponta que o país tem ainda a intenção de construir submarinos nucleares e se recusa há anos a assinar um protocolo adicional ao Tratado de Não Proliferação Nuclear da Agência Internacional de Energia Atômica.
“Com a saída do acordo nuclear, a Alemanha pode enviar um sinal de que não apoia o caminho nuclear brasileiro. Tal procedimento não seria excepcional, pois em 2007, por exemplo, o governo alemão encerrou um acordo semelhante com o Irã”, diz o texto.
A moção argumenta que o fim unilateral do acordo não impactaria a cooperação e a troca de informações técnicas no setor entre os países, estabelecidas num outro tratado, de 1978.
Além do encerramento do acordo em 17 de novembro, a moção pede o fortalecimento da cooperação entre os países nos setores de energia renovável, com a adoção de novos tratados nesta área, e a proibição da exportação de bens que poderiam ser utilizados na construção de um submarino nuclear.
Parlamento dará palavra final
A moção deve ser analisada na próxima quarta-feira pelas comissões de Economia e Meio Ambiente do Parlamento alemão e até sexta-feira deve ser discutida no plenário.
Para ser aprovado, o documento precisa dos votos da maioria dos 709 deputados. Atualmente, o Partido Verde possui 67 cadeiras; contra as 246 da União Democrata Cristã (CDU) e de seu partido-irmão, a União Social Cristã (CSU); as 152 do Partido Social-Democrata (SPD); as 91 da Alternativa para a Alemanha (AfD); as 80 do Partido Liberal Democrático (FDP); e as 69 da legenda A Esquerda, além de 4 deputados independentes.
Na primeira vez que os verdes apresentam uma moção pedindo o encerramento do acordo com o Brasil, em 2014, a iniciativa contou com o apoio da legenda A Esquerda, mas fracassou diante da oposição dos partidos governistas, CDU/CSU e SPD.
Na época, o Parlamento alemão era menos fragmentado, composto apenas pelos verdes, social-democratas, pela união entre cristão-democratas e social-cristãos e pela esquerda. O Brasil era governado pela presidente Dilma Rousseff, cujo partido, o PT, mantém há décadas uma relação de proximidade com o SPD. Diante do desejo brasileiro de manter o acordo, era muito pouco provável que o SPD aprovasse o fim do pacto.
O clima atual é mais favorável para a iniciativa dos verdes. A coalizão de governo anda fragilizada desde as recentes eleições regionais, nas quais CDU e SPD sofreram derrotas e perderam parte de seu eleitorado para os populistas de direita. Soma-se a isso a insatisfação de muitos social-democratas diante da manutenção da coalizão com o partido de Merkel.
No Brasil, desde que assumiu o poder, o presidente Jair Bolsonaro vem arrancando críticas internacionais, particularmente em relação à proteção do meio ambiente, e já trocou farpas com Merkel.
“Precisamos da maioria e, para isso, do apoio do governo alemão ou de um dos partidos governistas. Tenho esperança, pois o governo alemão já reagiu de maneira semelhante no caso das queimadas da Amazônia. Por isso, esse caso pode resultar numa reação devido à mudança de postura em relação à energia nuclear que ocorre com Bolsonaro”, opina Kotting-Uhl.
A contribuição da energia nuclear para a matriz energética brasileira é ínfima. As duas usinas em funcionamento são responsáveis por 1,13% da energia gerada no país, de acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
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